É o povo brasileiro que dará a palavra final na divisão, mas, não no plebiscito
A consulta sobre a divisão do Pará suscita oníricas teses advindas das respectivas paixões plebiscitárias.
Não conformado com a restrição da consulta ao estado do Pará, o senador Suplicy (PT-SP) anunciou que o jurista Dalmo Dallari provocou o TSE para que decida, outra vez, sobre o universo plebiscitando, sugerindo que o Brasil todo vote. Quem encomendou a lavra foi o próprio Suplicy, que, segundo Jarbas Passarinho, vez sim e outra também, tem acessos de câimbra mental.
A tese serve para um projeto de emenda constitucional sobre a matéria, pois embarca lógica na sua argumentação: a divisão de um estado redesenha administrativa-política-geograficamente a Federação, portanto, é defensável a sugestão de que todo o eleitorado brasileiro opine.
Inobstante, do ponto de vista formal, a argumentação do professor Dallari é um singelo sofisma e um brutal pleonasmo, pois o Brasil inteiro terá a sua vez de se manifestar, como ao final esclareço.
O constituinte restringiu o intervalo da consulta ao inserir o termo “população ‘diretamente’ interessada” na construção da Carta. Caso o legislador original desejasse a consulta em todo o território nacional, não se teria valido do advérbio, pois a técnica legislativa não permite conluios de palavras: todas as letras contidas devem estar na medida certa.
A lei 9.709, de 1998, trouxe luz à definição de quem é a população “diretamente interessada”, mantendo o conceito original da restrição geográfica a uma determinada área: em caso de emancipação municipal, não votam somente os eleitores da área a ser emancipada, mas de todo o território sujeito ao resultado. Por interpretação extensiva, o mesmo conceito se deve aplicar às divisões de estados.
Dar interpretação extensiva ao que já foi regulamentado, e interpretado extensivamente, é o que o professor Dallari reclama, mas, o TSE não pode seguir esta bizarra linha, delimitado que está pelo texto constitucional.
O argumento pecuniário de que todo o Brasil paga a conta e por isto deveria opinar, é incipiente e, se levado à vera, corroeria os alicerces da Federação que tem como um dos seus princípios o pressuposto de que as contas são divididas por todos.
Além disto, a conta não vai aumentar. Não haverá aumento de impostos caso haja a divisão, mas, a redistribuição por mais duas possíveis unidades federativas dos orçamentos doravante elaborados.
Ao final, decidirá se haverá ou não a divisão todo o povo brasileiro, através dos seus representantes federais: o plebiscito é somente uma consulta ao povo do Pará se ele aceita a proposição. Não tem a prerrogativa de, efetivamente, dividir.
Caso o “sim” vença, isto somente autoriza o Congresso Nacional a propor a lei complementar com a matéria, que poderá ser aprovada ou rejeitada. Portanto, a fase na qual “todo o povo brasileiro” opina, não é esta do plebiscito e sim após ele, através dos seus representantes constitucionais.
Assim lavra a constituição. Se o senador Suplicy deseja mudar isto, que proponha uma emenda constitucional. Encomendar protocolos esdrúxulos ao TSE não passa de comício.
Parsifal Pontes